Rodrigo Albuquerque ( Selvagem )
Na escuridão da noite saí do saco de dormir e cutuquei meu filho: “Lucca, to indo velejar”. “Tá”, respondeu ainda dormindo. Antes que eu saísse da barraca, a ficha do guri caiu: “Cê tá indo onde?!”
Pense numa cambada de loucos levantando às quatro e meia da manhã. Pense numa madrugada fria e estrelada. Agora pense num vento despinguelando montanha abaixo em direção a uma pequena lagoa. Taí o cenário do surreal velejo na Lapinha-MG, localizada na Serra do Cipó, a 1687 metros de altitude.
Enquanto a capital federal completava 49 anos e o resto do Brasil dormia sem hora para acordar no feriado de Tiradentes, estávamos ligados naquela paisagem conhecida, mas que nunca deixa de impressionar. A montanha a nossa frente com a lagoa na sua base é uma visão bonita, mas o vento é o elemento que lhe dá a qualidade de impressionante, até porque, segundo as regras conhecidas, aquele não é lugar que deveria ventar. Muito menos na direção que venta. Na lógica a montanha deveria funcionar como uma barreira natural ao vento, mas na prática, o vento ganha velocidade descendo a montanha na direção da lagoa – só vendo pra crer, e as fotos não me deixam mentir.
O velejo de wind é pesado, exige alguma experiência e preparo físico. Vento forte e rajado, bordo curto. A vantagem é que nunca é solitário, a cada bordo se troca experiências e equipamentos, veleja-se perto um do outro e perto de quem fica na margem, fotografando ou descansando pra entrar de novo. A sensação é aquela velha conhecida dos velejadores, que abre o sorriso no rosto, clareia a mente e lava a alma. Foi meu primeiro velejo na Lapinha, ano passado estava de braço quebrado e no anterior não tive sorte com o vento. Quando subi na prancha imediatamente encaixei os pés nas alças e conversei com o lugar como quem fala com uma mulher: “Ah Lapinha, não diga que sou apressadinho, tem dois anos que estou esperando por este velejo...” Três horas depois estava exausto, apesar dos intervalos entre um e outro bordo.
Mas a Lapinha é dadivosa e todos se divertiram. Renato esbanjou sua técnica e fez a lagoa parecer um circuito, Dário, maluco como sempre, quis aumentar os limites da lagoa justo na margem de pedra, azar da pedra, e da prancha. André Maciel foi o primeiro a entrar e o último a sair, mais feliz que cachorro em dia de feira pelejava nos dukejibes e saltos, Maurikite fez de tudo, arrepiando seu estilo bonito de se ver, desta vez sem os ataques dos micuins. Gisele foi a responsável pela maioria das fotos e registros e ainda velejou no final, enfrentando o frio com a coragem e o sorriso que lhes são peculiares.
De tão dadivosa a Lapinha dessa vez permitiu até o velejo de Kite. Numa manobra que parecia exigir conhecimentos de nanotecnologia, Felipe, André Maciel e Murikite levantaram suas pipas entre árvores, casa, cerca viva e cerca de arame farpado, manobrando no limite e nas rajadas. Arrojo, técnica e uma visão jamais vista na Lapinha, o balé dos kites, contrastando com todo aquele bucolismo e pré-história fecharam o feriado de modo inesquecível.
No final falei com Lapinha mais uma vez como se fosse uma mulher: “Quando a gente se vê de novo?” “Tô sempre por aqui”, respondeu ela sem marcar compromisso.